Que venham as primaveras

 Cruzando os Himalaias, um belo dia de março de 2011.


Caminhar por trilhas nas montanhas sem interferência externa nenhuma  como ocorre na cidade, me faz pensar muito na vida. Em muitos momentos não tinha ninguém nem nada por perto. Era só eu e as montanhas. Longos diálogos entre o Tico e o Teco enquanto só o que eu ouvia era o som do vento e dos meus passos. Diante da retina cenários muito inspiradores.
Fiz boa parte do percurso ao lado do Yaniv, ele é psicólogo e trocamos muita ideia(imaginem vários dias  andando no silêncio das montanhas e no quarto antes de dormir, tínhamos que criar assunto pra preencher o tempo). Foi bom discutir com ele alguns temas que tenho abordado aqui no blog, que envolvem o lado ‘psicológico’ da viagem,  inclusive me ajudou a guiar outras questões que tenho em mente e devo colocar aqui qualquer dia. Discutimos bastante sobre a ‘zona de conforto’, a condição psicológica que nos faz temer as mudanças e evitar qualquer ação que envolva risco. Ele assumiu que era acomodado, era receoso com algumas situações de mudança e não se considerava mochileiro. Por isso estava fazendo essa viagem de alguns meses entre a Índia e o Nepal para ajudar a pensar no rumo que vai tomar, já que ele acabou de concluir a faculdade. Viajar é uma forma de se conhecer melhor  ajudando a tomar algumas decisões.
 Digamos que numa escala de 0 a 10, dependendo em que posição você se encontra na zona de conforto, definirá muita coisa na sua vida em vários sentidos. No trabalho, no relacionamento, no convívio social, ... , e também vai enquadrar que tipo de viajante você é. Começando por exemplo, se seria capaz de abandonar um emprego estável em função de uma viagem ou que outras coisas seria capaz de abrir mão em favor de uma ‘big trip’, caso ela fosse o sonho da sua vida. Durante uma viagem, que coisas você pode pagar para ser mais fácil de conseguir. Várias decisões dependem do seu ‘nível de conforto’, como: viagem independente ou excursão / se deslocar com transporte público, a pé ou taxi / albergue ou hotel mais caro que te oferecem vários serviços a preços exorbitantes  / experimentar comida de rua, fazer a própria comida ou restaurantes mais requintados. Esses são pontos que separam e classificam turistas e mochileiros. O mochileiro ‘real’,  mesmo que ele tenha dinheiro para fazer algo, prefere a forma mais barata e usar o dinheiro em coisas mais interessantes na própria viagem. Em países caros por exemplo, ele prefere cozinhar no albergue  ou lavar sua roupa em vez de pagar uma lavanderia, e com a diferença, fazer... sei lá, um passeio de balão, um salto de paraqueda ou conhecer um outro país que não estava no roteiro. Esses conceitos normalmente vão alterando com o passar da idade. A nossa posição na escala de 0 a 10 tende a aumentar progressivamente, tenho refletido sobre isso ultimamente.
Conversando com uns amigos, entre 45-50 anos de idade,  antes da minha viagem me disseram que era para eu aproveitar para mochilar enquanto era novo, pois depois de uma certa idade você não quer se submeter mais a certos “desconfortos”. Na hora eu até concordei com eles imaginando realmente que o peso da idade traz consigo uma exigência de conforto maior. Pode reparar, depois de uma idade o cara quer sempre um lugar mais sossegado, uma mesa onde bate mais vento, não se mete no meio dos jovens naqueles passeios barulhentos de fim de semana pra dormir no colchão no chão,  e coisas do tipo. E nem se imagina com uma mochila pesada nas costas procurando lugar pra dormir. Nem menciono situações que necessitam esforço físico, mas que exijam  juventude de espírito. Acredito que na maioria das vezes, o espírito envelhece primeiro que o corpo.
Mas depois de um tempo de estrada, conhecendo muita gente pelo caminho(lembra do coroa que conheci no Camboja que tinha chegado lá de bicicleta desde a Inglaterra?!) tô vendo que essa preguiça que chega com a idade não é uma regra fixa. Aqui pelo trekking também cruzei com vários coroas de 60-65 anos andando devagar, parando para descansar muito mais vezes que os mais jovens, mas fazendo o percurso com sua mochilinha nas costas. Conversei com alguns deles pelo caminho, e me fizeram voltar a me questionar: Até quando vou conservar meu espírito mochileiro? Quando e como será minha transição de mochileiro para turista que será forçada pela idade? Será que realmente vou mudar tanto com o passar da idade, mesmo sendo capaz fisicamente de fazer o mesmo que faço com a saúde que estou hoje? Como vou administrar isso na minha cabeça com o passar dos anos?
Por outro lado, até lá já terei viajado tanto pelo mundo, vou ter visto e feito tanta coisa diferente,que  devo desacelerar essa minha sede de novidade, então essas perguntas se tornam difíceis de adivinhar uma resposta. 
São muitas as perguntas e autoanálises que faço no silêncio da caminhada. Uma grande viagem modifica tantos conceitos que não sei se vou enfrentar as “tendências naturais” da mesma forma. O que seriam exatamente essas tendências: seriam as mudanças de comportamento que comumente ocorrem ao envelhecer o espírito, assim como algumas atividades(como mochilar, por exemplo) serem consideradas somente para jovens, de acordo com o pensamento coletivo.
(Acho que a um tempo atrás não escreveria tendências naturais entre aspas, tendo-as como irremediáveis.)
O que diferencia uma pessoa de 60 anos que: pratica atividade física, está sempre querendo aprender algo novo e tem curiosidade para explorar o que não conhece; de outra da mesma idade, que diz que não tem mais idade para certas coisas? Muitas pessoas começam a pronunciar a frase “não tenho mais idade pra isso” muito cedo, aos 35-40 anos, mesmo diante de coisas simples como andar de bicicleta por exemplo.
Sei que ainda não é hora para eu pensar nesse assunto, mas essas mudanças são graduais e iniciam cedo. Quero só me preparar para detectar as contaminações do pensamento coletivo. O vírus do envelhecimento psicológico é perigoso e muitas vezes letal. Aniquila sonhos, esperanças e vontades.

2 comentários:

alexr disse...

Olá Rogerio...Desde os seus relatos da Tailandia venho acompanhando o seu blog...Comecei a acompanhar quando vi uma foto que vc tirou de um consultorio odontologico na Tailandia...Pensei logo: Esse dai deve ser dentista...Eu tambem sou dentista e mochileiro porem ainda estou mochilando por perto(America do Sul)...E vim aqui mas pra parabenizar seu texto diz tudo e me identifiquei muito com o seus pensamentos e acrescento mais, muitas pessoas na nossa profissao tem esse pensamento simplista de envelhecimento psicologico...Parabens novamente e continua ae que o negoco ta bom...Abracao e boa viagem

Rogério Oliveira disse...

Fale Alexr,
Pois eh, de vez em quando entro em algum consultorio odontologico pelos paises que passo, ja vi muita coisa absurda, com um dentista fumando DURANTE um atendimento(extracao)na China, sem contar que ele estava sem luva e mascara. Entrei em consultorios tambem no Laos, Camboja, Nepal...tudo muito simples e de qualidade muuuuito aquem dos padroes brasileiros.