No galope

 Mui Ne - Vietnã, 30 de dezembro de 2010.

 Depois de 5-6 horas de azucrinação entre Da Lat e Mui Ne cheguei na praia.  É muito chato aqui no Vietnã o quanto eles usam a buzina: Se o cara vai ultrapassar-buzina, quando está ultrapassando-buzina, se tem alguém parado no acostamento-buzina, se vai fazer uma curva fechada-buzina...o tempo todo. Parece que a gente tá andando numa ambulância.
Mui Ne é uma pequena cidade de praia no sul do Vietnã, banhada pelo Mar da China. Quando desci do busão bem no calçadão da praia tinha uma galera procurando pousada também, aí me juntei com eles e acabei dividindo quarto com o Khushal um inglês e a Franci uma canadense. Mais uma vez o espírito de fraternidade sudasiática se fez presente e em alguns minutos já éramos um grupo. Tinha mais um inglês e uma escocesa que ficaram no outro quarto, essa foi minha turma que passei esses dias em Mui Ne. Deixamos as coisas no hotel e fomos fazer um passeio de jeep pela redondeza. O bom de estar em grupo algumas horas é que esses passeios ficam mais baratos, o hotel também, mas assim, tem hora que cada um vai pro seu lado e a gente se encontra só final da tarde.
Estávamos passando por umas dunas onde tinham uma formações arenosas bem diferentes e tinha uma vila onde tinha uma criação de avestruz, com passeios de avestruz!! Claro que não perdi essa oportunidade de galopar no lombo de uma ave! Subi no bicho e o domador deu uma tapa na bunda dele e disse vai!! Foi uma disparada que eu dei...os movimentos são iguais aos de um cavalo mesmo, o bicho desembestou e eu não tinha onde segurar direito, quase que eu agarro no pescoço do avestruz só que apesar de ser um animal grande, o pescoço é meio frágil, sei lá me deu medo de engasgar ele. Foi rápido mas intenso!
O cara correndo pra segurar o bicho

Nossa galera

Vila de pescadores em Mui Ne

Dunas de Mui Ne

Temos dunas no Brasil bem mais bonitas, como as de Genipabu, de Jeri ou Parnaíba, mas valeu o passeio, principalmente para a Franci que nunca tinha visto dunas de perto!! Brincamos de escorregar com aquele plástico até dar de cara na areia lá embaixo...tivemos um dia legal. E de noite fomos num barzinho na beira da praia com música ao vivo, e aproveitei um momento de cansaço do cantor e peguei o violão pra cantar umas músicas em português que ninguém entendeu nada, mas eu curti...que é o que importa.
A praia aqui não é aquela coisa mas o clima de litoral por si só já é gostoso. Eu iria passar o ano novo aqui mas por ser uma cidade muito pequena, acho que não vai ter nenhum lugar com alguma festa legal, entáo vou seguir para Nha Trang que é maior...

Minhas próximas notícias serão só ano que vem. Feliz Ano Novo galera!   

Mundo digital

Da Lat - Vietnã, 27 de dezembro de 2010.

Quando estamos longe da família em datas importantes , as ‘mudernidades’ ajudam a quebrar um pouco da distância. Pela diferença do fuso (aqui são dez horas a mais que o Brasil) quando tava rolando a ceia de natal na casa da minha irmã, eu já estava acordando com ressaca da noite anterior! mas pude participar virtualmente através do msn/web cam do jantar em família. Posei até pra foto junto com todo mundo(meu irmão segurando o notebook!!!) ...mesmo do outro lado do mundo, saí na foto do lado da árvore de Natal !!! Devido essa diferença de horário e como tenho contato direto com o pessoal daí do outro lado do planeta através da net  em tempo real, até criei uma frase sem graça: Enquanto vocês trabalham, eu durmo. Enquanto vocês dormem, eu passeio....
De Saigon peguei um sleep bus, não como aquele que peguei no Laos que eram camas, esse eram poltronas-cama, muito confortável também que ferrei no sono na saída e acordei com o ‘rodomoço’ (?) me cutucando seis horas depois pra eu descer.Cheguei aqui três da madruga e por ser uma cidade numa região montanhosa a quase 1.500 metros de altitude, tava um frio da porra. Tive que tirar o casaco do fundo do guarda-roupa e me cobrir. Eu não gosto de clima muito frio, não é o caso daqui pois não chega a incomodar, é um clima gostoso, mas já dói meus ossos em pensar no frio que vou pegar na China mês que vem...tenho acompanhado na tv que tá fazendo menos de dois graus negativos e ainda tá esfriando mais...
Como aconteceu outras vezes quando cheguei de madrugada em outras cidades, arrumei um canto pra me escorar e dormir até amanhecer pra não pagar uma noite de hotel a mais por causa de algumas horas. Geralmente o check-in é 6-7h da manhã. Toda cidade de clima frio tem uma atmosfera diferente, a paisagem muda, a vegetação é típica de clima teperado com pinheiros e plantações de outros tipos de fruta tipo morango, uva, inclusive tem vinícolas aqui que produzem vinho tipo exportação. Outra coisa muito cultivda por aqui é o café, onde podemos tomar vários tipos em uma das diversas casas de café comuns em toda cidade, por um preço irrisório.
Fui tomar café da manhã no mercado e na saída um cara me ofereceu um tour de moto para uma cachoeira e uns outros locais pelo caminho. Não sou muito de fazer esses passeios, prefiro ir por conta própria, mas como era um local montanhoso a 35 Km longe da cidade, levando em consideração que minha bicicletinha nem tem tanta marcha pra eu ficar subindo ladeira...e fazendo as contas do aluguel da moto mais gasolina, eu pagaria uns 5 reais a mais pra ir com o camarada...então topei e fui dar esse rolê com ele.
A cachoiera não era lá essa coca-cola mas os lugares que fomos parando no caminho e que não tinham no meu guia foram interessantes, por exemplo eu nunca tinha ido num (eu não sei nem como é que chama...) local onde se cultivam cogumelos! Os cogumelos são muito consumidos aqui no sudeste asiático mas eu nem tinha ideia como eles eram produzidos em larga escala. Os caras colocam serragem de madeira dentro de um saco plástico e fervem numa grande caldeira, depois esses sacos são pendurados numas estufas para manter a humidade e proteger da claridade e em um mês o cogumelo brota através de furos feitos no saco.


Estufa de cultivo de cogumelos

Passamos por plantações de chá, de café, de flores...e encostamos numa fábrica de seda, onde vi todas os passos da confecção da seda desde o casulo com o bicho dentro, as etapas de extrair o fio até as máquinas de tecer bem arcaicas produzindo diferentes tipos de tecido. Na volta passamos por uns vilarejos nas montanhas onde as mulheres teciam e vendiam uns artesanatos, onde fiquei um tempo curtindo aquele friozinho vendo as crianças brincando e uns idosos espalhando o café para secar ao sol.
Na fábrica de seda- onde o casulo é escaldado e extraído o fio da seda 

Vilarejo nas redondezas de Da Lat

Chegando de volta na cidade a última parada foi a ‘Crazy House’, uma casa que ganhou esse nome pela sua arquitetura ‘Alice no país das maravilhas’ cheia de cômodos, varandas e passagens entrelaçadas como se fossem galhos de árvore, tem até uns quartos para quem quiser se hospedar...tudo muito maluco mesmo.
Crazy House - dá pra entender alguma coisa?

Hoje peguei a bicicletinha para rodar, pois a cachoeira que tava na minha programação do dia era mais próxima. Eu tava lá curtindo a paz que o barulho da cachoiera me dá,  sentado lendo um livro(estou lendo Comer, Rezar e Amar...que me recomendaram) e me chega uma centena de moleques, sem exagero, acho que era uma excursão de colégio, que não consegui mais me concentrar pra ler pela barulhada que eles faziam. E fiquei olhando eles e os outros turistas que chegavam na cachoeira. Engraçado, principalmente depois da recente popularização da foto digital, muita gente quando visita um lugar se preocupa muito mais em bater foto do que observar e sentir a beleza do local, parece que eles foram lá exclusivamente para isso: bater foto. Não estão nem aí pra nada, não observam nem sequer por alguns minutos os detalhes, não se interessam pela história, pelo significado. Chegam, batem foto do maior número de ângulos possíveis e vão embora. Todos temos vontade de bater foto de um lugar novo, mas não podemos virar escravos da máquina fotográfica. Tenho me policiado pra isso, já aconteceu algumas vezes de eu ficar andando procurando um melhor ângulo  e de repente eu me tocava que tava desviando a atenção do local. Adoro foto, já fiz mais de 5mil nessa viagem mas não vivo em função de achar diferentes ângulos o tempo todo. Tenho usado praticamente só uma máquina bem pequena portátil que carrego no bolso ou na cintura e quando vejo uma cena que vale um clic , faço que nem um cowboy pra sacar um revóler...ehehe Não tenho o trabalho de abrir a bolsa ou mochila, tirar uma máquina pesada da capa, bater e guardar de novo. Pode parecer um procedimento simples mas fazer isso dezenas de vezes todos os dias dá no saco!
Para fazer fotos como essa, temos que ser rápidos no gatilho!

  

Mais um pouco de Saigon

Saigon-Vietnã, 25 de dezembro de 2010.

Vou começar esse post fazendo um teste pra saber quem estaria preparado para perambular pelas ruas de Saigon sem se perder. Faça assim: leia o nome dessas duas ruas. Depois depois tire os olhos da tela , conte até três e tente repetir o nome das ruas do cruzamento onde você está!

  Como foi? Conseguiram? Dava pra passar uns dias, quer dizer, semanas, quer dizer meses andando sem se perder?? Brincadeira gente, esses nomes impronunciáveis de ruas ruas não tem como lembrar mesmo, tem que andar com o mapa na mão e ficar olhando várias vezes.

Eu e minha bicicletinha rodamos bastante por Saigon, ela foi uma das melhores aquisições que fiz, posso ir pra qualquer lugar numa cidade sem depender de ônibus  ou tuk tuk...curtindo todo o trajeto, na verdade o trajeto já faz parte do passeio.
Fui no Museu dos Remanescentes da Guerra, que mostra as sequelas causadas principalmente pelas armas químicas utilizadas pelo exército norte-americano durante a guerra, o mais violento foi o  Agente Laranja, um veneno muito poderoso e cancerígeno que fez desgraça inclusive nos soldados norte-americanos e nas gerações posteriores dos vietnamitas.... Fotos muito tristes mostram isso. Tem também uma exposição de tanques, aviões , armas, minas...   
Essa foto ficou famosa...

   
O Palácio da Reunificação também valeu a visita, com luxuosos salões e corredores. Ele serviu como Palácio Presidencial na época da guerra, onde era o controle, o quartel general.
Palácio da Reunificação

Na sala de controle onde tinham mapas, utilizados na guerra

A mesa do presidente, onde ele controlava a guerra

Apesar do caos das ruas de Saigon e da poluição, gostei muito da cidade. Os shopping centers, as ruas arborizadas, a comida, os mercados...Tô esperando o ônibus, daqui a pouco parto para o norte para uma cidade numa região montanhosa, passo uns dias e desço para o litoral pra passar o ano-novo na praia.
Eu, minha bicicletinha e as ruas de Saigon

Feliz Natal ! Natal ?

Saigon-Vietnã, 25 de dezembro de 2010. – Feliz Natal !!

Hoje completo uma semana em Saigon, passei meu Natal aqui com a galera do Couchsurfing e os amigos do Tram. Aqui no Vietnã tem muitas luzes de Natal, Papai Noel, decoração nas ruas e shoppings centers...mas é mais comemorado pelos estrangeiros, algumas famílias vietnamitas  até fazem um jantar no dia 24 mas nada parecido com o que fazemos no Brasil, é um jantar comum com poucos convidados. Nada de reunir família, troca de presentes, árvore de Natal na sala,ceia à meia-noite...alguns namorados até trocam presentes levados pela ideia de consumismo que o Natal carrega consigo. Mas nada de cunho religioso, renovação, blá blá blá, é apenas mais uma data sem tanta importância. Até porque o dia do nascimento de Jesus não faz nenhum sentido para um país com 8% de cristãos. Fizemos um jantar aqui em casa, tinha gente de seis nacionalidades diferentes, depois fui com o Tram na casa de uns amigos dele americanos, e voltamos pra cá pra perto... compramos um vinho na loja de conveniências e ficamos tomando sentado na calçada junto com a galera dele.
Nosso jantar de Natal: Tailândia, França, Vientã, EUA, Taiwan e  Pará.

      Esses dias rodei um bocado pela cidade, fui em Cu Chi onde tem uns túneis usados pelos Vietcongs na época da Guerra do Vietnã (que para eles é Guerra Americana), é muito interessante, são mais de 200 Km de túneis!! É como uma cidade subterrânea, inclusive com vários níveis a três, cinco e oito-dez metros de profundidade. Eles usavam esses túneis para se proteger dos bombardeios principalmente aéreos dos EUA. Cara é impressionante a genialidade dos vietnamitas, como eles não tinham dinheiro para armas, tanques, aviões...eles usaram a inteligência para combater. Esses túneis são muito estreitos onde os soldados americanos não conseguiam passar pelo seu porte, e no meio do emaranhado de túneis, tinham umas armadilhas bem rústicas, tipo alçapão, pra quando o inimigo passar , cair num buraco cheio de lanças com veneno na ponta... só quem conhecia os túneis que sabia o caminho certo do labirinto. Era mais ou menos essa a estratégia: eles passavam o dia debaixo da terra e atacavam e caçavam à noite, por isso eram até chamados de “ o inimigo invisível”. Eles tinham umas manhas, tipo, nas entradas de ventilação dos túneis eles colocavam pimenta, ou pedaços de roupa dos soldados americanos mortos para despistar os cães farejadores, eles faziam armas e lanças para as armadilhas com estilhaços de mísseis que encontravam pelo chão, faziam sandálias com pneu dos caminhões...pela falta de dinheiro e também para andar mais silenciosamente pela mata. Tem demonstração lá de várias armadilhas, o Rambo deve ter aprendido tudo aquilo que mostra nos filmes aqui com os Vietcongs, tenho certeza!
Mesmo depois de tanto tempo depois da guerra, podemos ver ainda muita coisa inteira: as trincheiras, as armadilhas , as crateras causadas pelas bombas, uns tanques de guerra...pra quem gosta de história de guerras é prato cheio.
Vietcong em rota de fuga

Meus parceiros Vietcongs

Dentro de um minúsculo túnel...


Emílio e Caetano

Saigon- Vietnã , 23 de dezembro de 2010.

Vim para Saigon, desci do busão montei minha bicicletinha e fui procurar o endereço do Tram,o camarada do Couchsurfing que iria me hospedar, apesar de os nomes das ruas serem  bem estrambólicos, minha facilidade com mapas me ajudou a localizar rápido meu novo endereço. Pra quem não leu o que falei sobre o Couchsurfing um tempo atrás eu vou lembrar: é uma comunidade na internet onde a pessoa oferece ou pede hospedagem na casa do outro com o objetivo não só de facilitar financeiramente para os viajantes como também para promover um intercâmbio cultural, é uma experiência muito boa, até agora tinha ficado na casa de amigos do CS na Ilha de Páscoa, em Jakarta, agora aqui em Ho Chi Minh. Além de mim, também está hospedado aqui o Kim, um coreano que tá viajando há 9 meses de bicicleta. Um dia fomos na feira comprar os ingredientes pro jantar, o Tram ficou responsável pelo frango vietnamita, o Kim pela salada coreana e eu fiquei com o arroz brasileiro, quando perguntei se ele tinha sal em casa, os dois se espantaram em coro: sal ??!! ...na Ásia eles só comem arroz insosso e sem nada(como acompanhamento). Foi um jantar bem diferente, comemos junto com uns americanos amigos do Tram. O cara é muito gente boa, ele sai todo dia pra beber, não aguentei o ritmo dele.

Kim, Tram e eu

Nosso jantar internacional

Saigon é o nome antigo da cidade mas por aqui vejo que este nome ainda é mais utilizado que Ho Chi Minh City como consta nos mapas atuais. É a segunda maior cidade do Vietnã. Um trânsito muito doido, muuuuuita moto, acho que num cruzamento grande em um minuto vemos coisa de duas mil motos cruzando...está sendo muita adrenalina andar de bicicleta aqui esses dias. Lembrei da minha mãe dizendo  pra eu ter cuidado ao andar de bicicleta nas ruas de Belém...que é um parque pra criancinhas comparando com isso aqui. Tô tendo cuidado viu mãe, eu espero as 200 motos passarem pra eu atravessar a rua! Aliás é curioso atravessar a rua nessas cidades onde o trânsito é uma cagada, principalmente porque na maioria das esquinas não tem sinal, e se tem não adianta muita coisa: simplesmente temos que andar no mesmo passo ao atravessar a rua, e as motos desviam de você, pode estar a maior confusão, é só ir andando.
 Andando por aqui, do jeito que sou muito ligado à música, não deu pra não lembrar da música Saigon interpretada por Emílio Santiago, fico cantando ela inconscientemente o tempo todo:
“Anoiteceu, olho pro céu e vejo como é bom
Ter as estrelas na escuridão,
Espero você voltar, pra Saigon”
Cheguei em ‘casa’ um dia e não tinha ninguém, aí atravessei a rua e fiquei tomando uma Bia Hoi( cerveja viatnamita...R$1,20 o litro !!) pra dar um tempo enquanto o pessoal chegava pra abrir a porta. Fiz amizade com um italiano com cara de japonês, filho de vietnamita que falava vietnamita legal e um coreano que mora aqui. Conversamos um tempão, falamos sobre comida e tal e eu disse que gostava de provar comidas diferentes, e quando eu tava indo embora o japa me disse que podia me mostrar um restaurante onde a especialidade era CACHORRO! Na hora! Pedi 3 tipos diferentes: um guisado, um assado tipo churrasquinho e outro tipo carne assada. Fizemos amizade com uns caras da mesa ao lado, que deram pra gente uma bebida tipo cachaça de arroz, gostosa também. Gostei da carne de cachorro, ruim era um molho que acompanhava que era muuuuito fedorento , podre! É um molho que eles tem aqui e vi no Laos também...é uma pasta marrom feito de peixe ou lula...A aparência lembra de carne de porco, mas o gosto é bem diferente.Tem gosto de...cachorro mesmo. Esse italiano foi gente fina demais.
Tomando uma Bia Hoi numa rua de Saigon

Esse é o camarada da mesa do lado,
que deu cachaça de arroz pra gente

Esse é o churrasquinho de Rex...com gergelim por cima, e o molho com cheiro de vala...

Totó assado!

Adoro cachorro como animal de estimação mas numa dessa não dá pra ficar imaginando o cachorrinho te lambendo e brincando, se não dá pena e a gente não consegue engolir nem um pedaço. Não adianta também querer dar uma de defensor dos animais e achar isso que eles fazem com os bichinhos  uma maldade, um absurdo... É uma coisa cultural, esse costume deve ter iniciado em tempos de escassez de comida, sei lá... eles comem cachorro como se fosse galinha, assim como sapo, porco... esse restaurante é frequentado só por locais, eu era o único estrangeiro lá.
Comer  coisas estranhas pra mim, tipo cachorro, escorpião, gafanhoto,larvas, sapo, lá no Peru experimentei o cuy que é um parente do rato.... é como se fosse um desafio, não um desafio pelo paladar em si, pra dar uma de macho...pra dizer eu consegui comer!! Não, mas pelo fato de quebrar conceitos. Vi nesse restaurante de cachorro por exemplo, todo mundo comendo e rindo lambendo os dedos, e tentei me colocar no lugar deles, desprogramar na minha cabeça a idea de que”cachorro é um animal dócil, fofinho, e não deve ser comido”  e reprogramar: vou ser que nem eles aqui e vou comer normalmente. Deu pra entender a diferença do desafio que falei agora pouco? Gosto de me testar pra ver como reajo diante das diversidades. É um desafio psicológico que temos constantemente não só aqui na Ásia em relação à comida,  mas na nossa vida de um modo geral, outros preconceitos imbutidos que temos, como em relação ao homossexualismo, o racismo, o tipo de roupa que os outros estão vestindo, fulano é assim ou assado... Tento quebrar isso frequentemente. Como diria o Caetano Veloso: Por que não?
Cada vez que aceitamos ou pelo menos tentamos aceitar as diferenças, damos um pequeno passo para nossa evolução, ampliamos nossa visão. Não é uma tarefa fácil pois esses nossos conceitos, nossos padrões que somos moldados desde criança, são enraizados demais na nossa personalidade. Vivemos pra isso: evoluir.

Parei de roer unhas

Ho Chi Minh City ( Saigon) - Vietnã, 22 de dezembro de 2010.
Meu roteiro no Camboja
Fui para Sihanoukville, no sul do Camboja. Minha última parada antes de vir pro Vietnã, cruzei o Camboja de norte a sul. É a cidade de veraneio onde o pessoal vem passar o fim de semana. A praia não é lá essa coisa mas o clima da cidade é relaxante  e fazia um tempo que eu não ia pra praia, foi bacana descansar por aqui esses dias, tomando cerveja a um real e comendo lagosta à vontade....muito barato, dez lagostas por 3 reais...paraíso! Fiz um passeio de barco de um dia inteiro pela redondeza e paramos numa ilha, comemos um peixe assado sentado numas esteiras na praia, depois deitei numa rede e dormi na sombra da árvore ouvindo os passarinhos, relax total.
Gringo lendo livro na praia em Sihanoukville

"Aqui nós é rei"... chopp e lagosta à vontade

Serendipity beach em Sihanoukville

Eu falei no post passado que não tava vendo mais tanta novidade. Acontece que numa viagem dessas somos bombardeados de novidades o tempo todo e quando esse ritmo diminui um pouco ficamos com sede do novo, do choque cultural. Precisamos cada vez de mais adrenalina,como um paraquedista depois de 100 saltos ele não sente a mesma coisa como aquele frio na barriga que ele sentiu na primeira vez. Que nem quando saltei de  asa delta no Rio uns meses atrás, foi um salto duplo eu tava com o instrutor, lá em cima  no meio do voo...eu tava botando as tripas pela boca e cara falando no celular tranquilamente:  “olha, me liga daqui a pouco que agora não dá pra eu escrever que eu tô voando...”  parecia que ele tava andando numa praia.
A ansiedade diminuiu, não que tenha perdido a graça, não é isso... apenas não tenho sentido aquele frio na barriga que sentia enquanto estava planejando a viagem. Não tem coisa mais gostosa que planejar uma viagem. Só que daqui é diferente, é tudo muito fácil... tava sentindo isso há um tempo mas me toquei de verdade quando comprei a passagem de Sihanokville para Ho Chi Minh(Saigon) no Vietnã, parece que eu tinha comprado uma passagem pra Mosqueiro, falei pra mim mesmo: ê rapaz, acorda, tu tá indo pro Vietnã daqui a pouco! Quando eu tava em casa estudando roteiro, era muito mais gostoso. Gostamos de coisas que estão distantes, quase ‘impossíveis’ de ter naquele momento, gostamos de desejar o que não temos na mão. Ainda tenho todo o Vietnã para cruzar, cidades muito interessantes, praias, cachoeiras, montanhas...mas quando vejo alguma coisa sobre a China, Índia, Oriente Médio me dá uma aflição maior. É uma fase, é a tal da adrenalina que queremos sempre uma dose mais forte pra satisfazer.
Quando morei em Santa Isabel do Rio Negro no Amazonas pra ocupar mais o tempo também fui professor de física e biologia  do ensino médio por dois anos, e gostava de ler uns temas paralelos principalmente sobre zoologia e evolução pra complementar alguns assuntos durante as aulas e porque eu acho interessante mesmo pensar sobre  algumas coisas, os sentimentos por exemplo.   A ansiedade é um sentimento vital e bem primitivo, o homem sentia isso para sua defesa, de forma instintiva quando estava diante de um perigo iminente. Quando surgia esse perigo ele tinha duas opções: a primeira era fugir e a outra era encarar e lutar. Com a nossa evolução a ansiedade veio tomando outra forma, pois não nos vemos mais diante de perigos físicos e sim de desafios emocionais. Uma viagem, uma prova difícil, a apresentação de um trabalho, um campeonato... É gostoso sentir isso, a ansiedade saudável é o que nos motiva pra muita coisa, continuar praticando um esporte, estudar, viajar... é um sentimento nobre que pode evoluir de forma positiva para a felicidade , ou de forma negativa, para o estresse ou para algum transtorno emocional, depende de como processamos isso na nossa cabeça.
Quando falei na possibilidade de diminuir minha estadia no Vietnã e passar logo pra China, recebi um comentário do meu ‘guru’, o Fred , já falei sobre ele no início do blog inclusive agradeci por ele ter remexido minhas ideias , que foi o que me levou a planejar a volta ao mundo. Ele disse: “Não diminua. Não faça isso. Depois vc se arrepende. Tudo que acabei deixando "pra depois" eu me arrependi, pq não tem depois. Imagina que ta começando. Que é um país novo. Comida. Bia Hoi. Idioma. Não diminua.
Ele fez um blog que virou livro, que me deu muita inspiração de partir pro mundo. E agora eu mochilando pelo mundo e tendo essa interação, esse contato com ele daqui do outro lado está sendo muito bacana...estou fazendo o que passei meses, ou anos vendo na tela do computador. Um abraço grande Fred, vamos falando...





Pedalando

Phnom Penh, 16 de dezembro de 2010.

Mas a minha ida a Phnom Penh não foi só pra ver tristeza. Rodei muito de bicicleta por toda a cidade  no trânsito muito doido daqui. É muita adrenalina, só nesses dias vi umas quatro batidas de carros e motos, é igual auto-pista dos parques de diversão. Curiosidades: não tem transporte público no Camboja! Imagina, não tem ônibus na cidade, se você não tiver seu transporte tem que pegar tuk-tuk. Assim como no Laos eles não usam moedas, todo dinheiro é de papel e  além do Riel (moeda local) o dólar também é moeda corrente, eles tem uma notinha de 100 Riels que equivale a dois centavos de Real...tem uns salgados fritos na rua que custam 500-600 Riels  ou seja 10-12 centavos !!! Outra, não vi nenhum supermercado muito grande e sim muitas mercearias e mercados. Fui num mercado enorme que tinha desde peças usadas de moto, eletrônicos, comida, papelaria...tudo. tinha uns boxes, também vi no Laos, expondo uns toca fitas e máquinas fotográficas de filme de modelo muito antigo, parecia um balcão de uma loja da década de 80.    
A população de um modo geral é muito pobre mesmo aqui na capital. Nos mercados e bancas de comidas de rua vejo como eles são imundos desorientados em relação à higiene. Vi várias vezes a mulher pegar o copo usado jogar o resto fora e colocar o copo novamente na bandeja de ‘copos limpos’, os pauzinhos que a gente come...vi no Laos a mulher pegar e mergulhá-los num balde imundo e colocar de volta na latinha de ‘pauzinhos limpos’, sem contar que fica tudo exposto à poeira e que ela prepara os pratos ou sopas pegando os ingredientes com a mão...a mesma que ela pega no dinheiro. Deixando esses detalhes de lado, adoro comida de rua! Ainda não senti nenhuma dor de barriga, então tá tudo bem. Minha flora intestinal (que dizem que é igual a dos urubus) está dando conta do recado.
Phnom Penh tem um calçadão na beira do rio onde no fim de tarde fica um clima gostoso, crianças brincando, jovens ligam caixas de som pra fazer dança de rua, outros jogando uma peteca com os pés (vi muito isso por aqui) ou com raquetes. Fiquei sentado um tempão comendo umas frutas e olhando o tempo passar. Visitei o Museu Nacional onde tem umas esculturas bem conservadas do período de Angkor além de outras peças do legado dos  Khmers de mais de mil anos, no centro do museu tem um jardim com uns peixes, um lugar tão quieto que eu deitei num banco e dei um cochilo ouvindo os passarinhos.



Museu Nacional em Phnom Penh

Sinceridade, depois de 3 meses de sudeste asiático não tenho visto tanta novidade nas ruas que me surpreenda...tipo o choque que tive quando desembarquei em Hong Kong...os insetos fritos , sapo sendo vendido igual frango nos mercados e bancas de churrasquinho, banquinhas de frutas que eles servem com pimenta, a comida, os temperos, os tuk-tuks... Daqui vou pro sul do Camboja, pra praia, e de lá entro no Vietnã...se eu continuar sentindo essa ansiedade por coisas novas, diminuo minha estadia no Vietnã e parto pra China.   

Tristes museus

Phnom Penh, 16 de dezembro de 2010.

De Siem Reap vim para  Phnom Penh(se lê: Fnom Pén), a capital do Camboja. Trânsito caótico, uma cagada parecida com a de Jakarta...muita moto, cada faixa da rua funciona como mão dupla, portanto são quatro faixas de carros, motos, tuk-tuks, bicicletas...e ninguém respeita nada, não tem esse papo de pisca-pisca, semáforo, preferência....quem se mete primeiro na frente passa. Todo mundo, até os carros passam por cima das calçadas como se fosse a rua...no cruzamento de 2 avenidas grandes é curioso o tamanho da cagada que é....eu encostava a bike às vezes só pra ficar vendo aquela cena... andar de bicicleta esses dias no meio dessa confusão foi muito desafiador. Se alguém quiser perder o medo de andar no meio do trânsito de bicicleta, venha pra Phnom Penh!!!
Passei 4 dias mergulhado na poluição e na história da guerra. Como eu contei no outro post sobre o genocídio que ocorreu aqui há 30-35 anos, não tem como vir para o Camboja e não estudar sobre o assunto. Esses dias todos que passei aqui estudei bastante sobre a desgraça que o Khmer Vermelho fez por aqui liderado por Pol Pot, um dos homens mais perversos que já existiram no mundo. Pra vocês não pensarem que eu estou sendo sensacionalista, vou contar umas atrocidades que vemos quando visitamos os museus aqui em Phnom Penh, e vocês vão sentir o drama. Talvez não sintam a mesma sensação que eu tive ao caminhar pelos campos e extermínio, quem não gosta de desgraça pode parar de ler aqui.
No hotel que fiquei todo dia passava um documentário, assisti ao filme Killing Fields que mostrou uma história real de um repórter americano e outro cambojano que relatam sobre os 4 anos vividos na guerra civil, foi bacana assistir a esse filme pra eu ver em imagens tudo aquilo que tinha lido, assisti também ao documentário S-21 narrado por prisioneiros de guerra que sobreviveram.
Visitei o Killing Fields de Choeung Ek, o campo de extermínio nas proximidades de Phnom Penh, é tipo um sítio num local meio isolado, onde agora tem um monumento em memória dos que foram mortos lá, uma torre com umas 8.000 caveiras...e um pequeno museu onde tem muitas informações , fotos dos membros do Khmer Vermelho e suas trajetórias políticas, utensílios utilizados na matança, roupas...e ao redor umas placas demonstrando cada local: onde paravam os caminhões carregados de gente vindos da cidade,  as valas comuns onde jogavam os corpos, por ser um fato tão recente tem uma área com ossos e dentes pelo chão  e uma horrível, a árvore da morte...a árvore que eles usavam para matar crianças e recém-nascidos...seguravam pelos pés e arremessavam contra a árvore estourando a cabeça para “economizar munição”, tem um quadro num outro museu mostrando a cena...dá até vontade de vomitar só de imaginar essa cena.  A ‘demanda’ era tanta, que chegou a  300 execussões por dia e eles não davam conta,  muitos tinham que esperar até o outro dia para chegar a sua ‘vez’. Todos que visitam o local ficam muito chocados, nada de fotos sorridentes.  Curioso e contrastante é estar aqui andando neste local silencioso, vendo isso e ouvindo ao fundo risos e barulho de crianças brincando numa escola que funciona bem ao lado.    

A árvore...

Outro dia fui no Museu do Genocídio Tuol Sleng, antigo Security Office 21 (S-21), no centro de Phnom Penh, que foi digamos o ‘Quartel General’, considerado o mais secreto órgão do regime Khmer Vermelho. Era uma escola que foi transformada numa prisão pra onde eram levados os ‘opositores’ e militares. Dezenas de salas de aula transformadas em celas, ando pelos corredores num silêncio como de um funeral, e nas salas vejo as camas de ferro onde os presos eram amarrados com fotos terríveis em preto e branco em cada uma das salas. Em outras vejo os ferros onde grupos de 20 ou 30 eram presos pelos tornozelos, e tinham que permanecer sempre deitados e em silêncio, aguardando as ordens. Nada, nem um susurro podia ser emitido sem autorização. Estão expostos os objetos utilizados nas salas de tortura e interrogatório. Várias fotos de detentos e suas fichas, fotos dos  líderes do Khmer Vermelho, assim como várias fotos horríveis de gente morta e quadros pintados por um dos poucos sobreviventes com imagens vistas por ele. Não bati muitas fotos, não deu nem vontade.   
S-21

Uma das salas(celas) da S-21

Quadro dentro da cela

Utensílios utilizados... 

                                                  

Oitava Maravilha

Siem Reap, 12 de dezembro 2010.

Vou dar uma pausa do assunto da guerra, pra voltar para o século IX . Em Siem Reap está o Angkor Wat que é o maior dos templos da região de Angkor, construído pelo império Khmer, (não vão confundir com o Khmer vermelho!!), Khmer é o nome do povo que habitou essa região entre os séculos IX e XV e é como se chama até hoje os habitantes e a língua do Camboja. Os templos de Angkor abrangem uma região de mais de 200 Km2 incluindo aproximadamente 1000 templos, sendo em torno de 80 os maiores e principais. É a maior construção religiosa do mundo e um dos mais importantes sítios arqueológicos da Humanidade. O império Khmer foi talvez o mais importante  na Ásia, exercendo grande influência na cultura dessa região do sudeste asiático.
Os principais templos além do Angkor Wat são: Bayon, Ta Prohm e Banteay Srey. Cada um com características diferentes apesar de estarem bem destruídos(também, eles foram construídos há mais de 1.000 anos!...). É uma pena o quanto esses templos foram depredados, foi assim, alguns templos foram construídos por reis que seguiam o Hinduísmo, e depois o rei seguinte era budista e transformava o templo todo destruindo as estátuas...e trocava de rei de novo...além disso os Khmer Vermelhos destruíram uma boa parte, e até década de 90 os templos foram saqueados, muitas imagens foram roubadas até  ter proteção pelo governo local apoiada pela UNESCO, pois em 1992 ganhou o título de Patrimônio da Humanidade. Angkor está presente na bandeira nacional, está estampado em todos os lugares e é o nome da cerveja mais consumida no Camboja.
 O imponente Angkor Wat

Ta Prohm, muito bacana as árvores enlaçando os templos.
(Esse é o templo do filme Tomb Raider)

Detalhe no templo Benteay Srey, que pra mim foi o mais interresante pois
 os painéis e esculturas estão bem conservadas

Templo Bayon
Um monge que conheci num templo de Siem Reap, eles gostam de conversar...
ficamos falando sobre algumas doutrinas que eles seguem

Fiquei três dias inteiros explorando os templos, morcegando agumas explicações dos guias, e pesquisando a história do local. É muito interessante, pois em vários templos as esculturas em pedra contam os fatos históricos do Camboja da época, misturado com as mitologias do Hinduísmo. É legal já que eu tenho passado por dezenas de templos aqui na Ásia desde a Indonésia com os vários templos hindus de Bali, depois os hindus e budistas de Java principalmente Borobudur e Prambanan, outros vários na Tailândia e Laos, então dá pra fazer uma comparação e entender melhor o que tenho visto nesses templos aqui.
Tô levando de recordação uns quadros em alto relevo de uma das esculturas das paredes do Angkor Wat, feitos em papel de arroz e umas estátuas de absara dançando ( figuras de divindades femininas) que estão esculpidas em várias galerias do Angkor Wat e em outros templos também. Precisava de alguma coisa que me lembrasse isso aqui. O que eu quero esquecer é a aporrinhação que é os motoristas de tuk-tuk em Siem Reap aqui na área turística, onde se concentram a maioria dos hotéis e restaurantes nas redondezas do night market...chega uma hora que aborrece, porra num trecho de 40 metros andando, uns 15 caras te oferecendo, dá no saco ficar dizendo não tantas vezes, no hotel que eu fiquei quando eu descia a escada pra tomar café da manhã cedo, já era aparado por um deles: tuk-tuk, tuk-tuk ???  AAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHH !!!!!!!!         

História real

Siem Reap, 12 de dezembro de 2010.

Canoa, van e ônibus até a fronteira. Cruzamos a fronteira do Laos e Camboja , e como era domingo, os policiais da imigração estavam cobrando um extra pelo serviço...bando de safado! Não existe isso! pagar pra pegar o carimbo de saída do país...foram 2 dólares pelo carimbo de saída, 1 para a ‘inspeção de saúde’ e outros 2 para o carimbo de entrada,ou seja 5 dólares a mais além do visto que é 23 !! eu falava em português na cara dos policiais: Vocês são todos safados!(eles não entendiam mesmo), mas fazer o que? Depois de passar a fronteira, outra van até Stung Treng, onde pegamos outra van até um cruzamento no meio do nada onde fomos largados( eu e mais uns 6 gringos) depois de quase 1 hora pegamos um outro busão imundo até Ban Lung. Depois de 6 transportes e muita, mas muita poeira cheguei imundo no meu destino. Escolhi Ban Lung pra escapar um pouco da rota turística, queria sentir a real cultura do Camboja sem ser numa região estragada pelo turismo. Aqui também é tudo muito barato, paguei menos de 7 reais pra ficar num hotelzaço com chuveiro quente, internet e vista pra uma lagoa...não faço questão de nada disso mas nesse preço...
Peguei minha bicicletinha e fui rodar, fui numas cachoeiras bacanas distante uns 10 km da cidade  que tinha que cruzar uns vilarejos, muita piçarra e sujeira...era sair de casa e em 10 minutos eu tava grudento... o banho de cachoeira foi muito mais revigorante depois da pedalada e da sujeirada. No caminho entre uma cachoeira e outra a corrente da bike engatou, porra tive que encostar pra endireitar e juntou um monte de moleque pra me ajudar e depois outros caras. Fiquei meio puto com a bicicleta, mas olhando por outro lado foi uma forma de interagir com o pessoal do vilarejo, fiquei umas 2 horas tentando arrumar a corrente junto com eles, entre uma oficina e outra.
Um lindo sorriso nas ruas de Ban Lung

Depois de uma pedalada...

Os moleques que me ajudaram com a bike
Olha o patinho...colocamos limão, sal temperado com uma pimenta
e depois come essas folhas que ardem na boca

De volta ao hotel já de noite, tomei um banho e fui no mercado comer alguma coisa. Foi uma das noites mais interessantes que tive ultimamente. Eu estava  saboreando uma comida típica cambojana: embrião de pato!!! (imagina, você pede um ovo cozido e quando abre tem um patinho dentro!!! Com cabecinha, bico e tudo!!) e encostou um cara pra me ensinar a comer o tal ovo, ele tinha um bom inglês...papo vai,  papo vem, vendo que ele tinha uns 50 anos(ele tinha 48) perguntei então sobre o genocídio ocorrido aqui 30 anos atrás. E começou a aula de história, contada por um cara que passou por tudo aquilo.
Entre 1975 e 1979 o Camboja passou por uma das piores desgraças que já aconteceram no mundo. Esse texto explica muito bem o que foi esse fato:
“Há 30 anos, no dia 17 de abril de 1975, os membros do Khmer Vermelho ocuparam Phnom Penh (capital do Camboja) sem resistência e em poucas horas esvaziaram completamente a cidade, em um primeiro ato de um regime de terror que duraria quatro anos e deixaria quase de dois milhões de mortos.
A 'gloriosa revolução'  dirigida por Pol Pot, entrou em marcha e os soldados de negro do novo poder esvaziam à força Phnom Penh e todas as cidades, considerados símbolos de toda a corrupção do regime de Lon Nol apoiado pelos Estados Unidos. "O novo povo deve ser purgado de todos os seus vícios" era o lema da revolução. Em um dia, os quase dois milhões de habitantes da capital foram obrigados a partir para os campos, por 'alguns dias', segundo os membros do Khmeres Vermelhos, para se proteger de bombardeios americanos que nunca aconteceram. A Angkar, "a Organização" dirigida por Pol Pot aplicou uma ideologia ultranacionalista e comunista extremista, de orientação maoísta.

Por isso, os membros do Khmer Vermelho, cujos chefes se formaram no estrangeiro, sobretudo na França, impuseram progressivamente a eliminação da família, a abolição da religião e do dinheiro.Segundo eles, era um meio de criar um homem novo em uma sociedade rural absolutamente igualitária. Em nome de uma utopia agrária, a população passa fome e explora todo povo em trabalhos forçados para produzir arroz e construir gigantescas obras.Aqueles que não se submetiam às ordens do poder central eram torturados, executados, deportados ou postos sob uma vigilância rígida e a uma depuração étnica ou ideológica, no caso de vietnamitas, chineses ou muçulmanos. Todos os professores e funcioários públicos foram eliminados. O Khmer não executava apenas o "vinculado", mas todos os seus familiares, para eliminar qualquer possibilidade de uma futura vingança contra o regime.  Em três anos, oito meses e 20 dias, quase dois milhões de cambojanos morreram sob a tortura, a fome, doenças em geral, esgotamento ou por punições no interior do regime.”

  Lendo assim essa história parece mentira de tão absurda que é. Eu nunca me liguei muito em história (só passava colando na época do colégio...) mas estar aqui no Camboja e ouvir isso  sendo contado  por um cara com lágrimas nos olhos por ter perdido a família e que viveu na pele tudo isso foi forte demais. Ele contou sobre uns detalhes dos bastidores:  a morte de um irmão nos braços da mãe, da mãe...o pai falando para ele fugir de perto dele para se salvar e dar continuidade na família. A Família foi abolida da seguinte forma: eram separados homens, mulheres e crianças. Viviam separados e não tinham casa. A comida e as roupas(todas pretas) eram fornecidas pelo governo (Khmer Vermelho), mas eles não tinham como alimentar todos, e muitos morreram de fome e desnutrição, ele disse que tinha dia que ele comia só duas colheres de arroz...e comiam qualquer coisa que viam pela frente...moscas, outros insetos, excrementos de animais... Os correios foram bloqueados e as fronteiras fechadas isolando o país do resto do mundo, milhões de minas foram espalhadas...  As crianças eram colocadas como espiãs, para escutar conversas dos outros e depois dedurar para os guardas quem estava falando mal do governo, ou quem estava fazendo qualquer coisa contra os princípios da ideologia... se um homem se aproximasse de uma mulher por exemplo , o moleque caguetava e eles eram executados. Todos os letrados foram eliminados, quem não quisesse trabalhar pesado, falasse sobre religião ou tinha alguma coisa só para si...era executado.

Enfim, pra terminar a história, o Vietnã invadiu o Camboja no final de 1978, destronando o Khmer Vermelho, estima-se em torno de 3 milhões de mortos(de uma população de 7 milhões!), Pol Pot morreu em 1998 e ainda fez muita desgraça antes disso. Esse post ficou meio carregado, mas  é preciso explicar um pouco sobre isso pra vocês entenderem a viagem pelo Camboja, e outros locais por onde vou passar futuramente.
Fiquei umas duas horas conversando com esse cara...comendo embrião de pato e outras coisas esquisitas, e tomando uma Angkor beer(cerveja local) com ele... já valeu a viagem até aqui.Esse tipo de experiência não temos lendo livros ou vendo pela televisão.