História real

Siem Reap, 12 de dezembro de 2010.

Canoa, van e ônibus até a fronteira. Cruzamos a fronteira do Laos e Camboja , e como era domingo, os policiais da imigração estavam cobrando um extra pelo serviço...bando de safado! Não existe isso! pagar pra pegar o carimbo de saída do país...foram 2 dólares pelo carimbo de saída, 1 para a ‘inspeção de saúde’ e outros 2 para o carimbo de entrada,ou seja 5 dólares a mais além do visto que é 23 !! eu falava em português na cara dos policiais: Vocês são todos safados!(eles não entendiam mesmo), mas fazer o que? Depois de passar a fronteira, outra van até Stung Treng, onde pegamos outra van até um cruzamento no meio do nada onde fomos largados( eu e mais uns 6 gringos) depois de quase 1 hora pegamos um outro busão imundo até Ban Lung. Depois de 6 transportes e muita, mas muita poeira cheguei imundo no meu destino. Escolhi Ban Lung pra escapar um pouco da rota turística, queria sentir a real cultura do Camboja sem ser numa região estragada pelo turismo. Aqui também é tudo muito barato, paguei menos de 7 reais pra ficar num hotelzaço com chuveiro quente, internet e vista pra uma lagoa...não faço questão de nada disso mas nesse preço...
Peguei minha bicicletinha e fui rodar, fui numas cachoeiras bacanas distante uns 10 km da cidade  que tinha que cruzar uns vilarejos, muita piçarra e sujeira...era sair de casa e em 10 minutos eu tava grudento... o banho de cachoeira foi muito mais revigorante depois da pedalada e da sujeirada. No caminho entre uma cachoeira e outra a corrente da bike engatou, porra tive que encostar pra endireitar e juntou um monte de moleque pra me ajudar e depois outros caras. Fiquei meio puto com a bicicleta, mas olhando por outro lado foi uma forma de interagir com o pessoal do vilarejo, fiquei umas 2 horas tentando arrumar a corrente junto com eles, entre uma oficina e outra.
Um lindo sorriso nas ruas de Ban Lung

Depois de uma pedalada...

Os moleques que me ajudaram com a bike
Olha o patinho...colocamos limão, sal temperado com uma pimenta
e depois come essas folhas que ardem na boca

De volta ao hotel já de noite, tomei um banho e fui no mercado comer alguma coisa. Foi uma das noites mais interessantes que tive ultimamente. Eu estava  saboreando uma comida típica cambojana: embrião de pato!!! (imagina, você pede um ovo cozido e quando abre tem um patinho dentro!!! Com cabecinha, bico e tudo!!) e encostou um cara pra me ensinar a comer o tal ovo, ele tinha um bom inglês...papo vai,  papo vem, vendo que ele tinha uns 50 anos(ele tinha 48) perguntei então sobre o genocídio ocorrido aqui 30 anos atrás. E começou a aula de história, contada por um cara que passou por tudo aquilo.
Entre 1975 e 1979 o Camboja passou por uma das piores desgraças que já aconteceram no mundo. Esse texto explica muito bem o que foi esse fato:
“Há 30 anos, no dia 17 de abril de 1975, os membros do Khmer Vermelho ocuparam Phnom Penh (capital do Camboja) sem resistência e em poucas horas esvaziaram completamente a cidade, em um primeiro ato de um regime de terror que duraria quatro anos e deixaria quase de dois milhões de mortos.
A 'gloriosa revolução'  dirigida por Pol Pot, entrou em marcha e os soldados de negro do novo poder esvaziam à força Phnom Penh e todas as cidades, considerados símbolos de toda a corrupção do regime de Lon Nol apoiado pelos Estados Unidos. "O novo povo deve ser purgado de todos os seus vícios" era o lema da revolução. Em um dia, os quase dois milhões de habitantes da capital foram obrigados a partir para os campos, por 'alguns dias', segundo os membros do Khmeres Vermelhos, para se proteger de bombardeios americanos que nunca aconteceram. A Angkar, "a Organização" dirigida por Pol Pot aplicou uma ideologia ultranacionalista e comunista extremista, de orientação maoísta.

Por isso, os membros do Khmer Vermelho, cujos chefes se formaram no estrangeiro, sobretudo na França, impuseram progressivamente a eliminação da família, a abolição da religião e do dinheiro.Segundo eles, era um meio de criar um homem novo em uma sociedade rural absolutamente igualitária. Em nome de uma utopia agrária, a população passa fome e explora todo povo em trabalhos forçados para produzir arroz e construir gigantescas obras.Aqueles que não se submetiam às ordens do poder central eram torturados, executados, deportados ou postos sob uma vigilância rígida e a uma depuração étnica ou ideológica, no caso de vietnamitas, chineses ou muçulmanos. Todos os professores e funcioários públicos foram eliminados. O Khmer não executava apenas o "vinculado", mas todos os seus familiares, para eliminar qualquer possibilidade de uma futura vingança contra o regime.  Em três anos, oito meses e 20 dias, quase dois milhões de cambojanos morreram sob a tortura, a fome, doenças em geral, esgotamento ou por punições no interior do regime.”

  Lendo assim essa história parece mentira de tão absurda que é. Eu nunca me liguei muito em história (só passava colando na época do colégio...) mas estar aqui no Camboja e ouvir isso  sendo contado  por um cara com lágrimas nos olhos por ter perdido a família e que viveu na pele tudo isso foi forte demais. Ele contou sobre uns detalhes dos bastidores:  a morte de um irmão nos braços da mãe, da mãe...o pai falando para ele fugir de perto dele para se salvar e dar continuidade na família. A Família foi abolida da seguinte forma: eram separados homens, mulheres e crianças. Viviam separados e não tinham casa. A comida e as roupas(todas pretas) eram fornecidas pelo governo (Khmer Vermelho), mas eles não tinham como alimentar todos, e muitos morreram de fome e desnutrição, ele disse que tinha dia que ele comia só duas colheres de arroz...e comiam qualquer coisa que viam pela frente...moscas, outros insetos, excrementos de animais... Os correios foram bloqueados e as fronteiras fechadas isolando o país do resto do mundo, milhões de minas foram espalhadas...  As crianças eram colocadas como espiãs, para escutar conversas dos outros e depois dedurar para os guardas quem estava falando mal do governo, ou quem estava fazendo qualquer coisa contra os princípios da ideologia... se um homem se aproximasse de uma mulher por exemplo , o moleque caguetava e eles eram executados. Todos os letrados foram eliminados, quem não quisesse trabalhar pesado, falasse sobre religião ou tinha alguma coisa só para si...era executado.

Enfim, pra terminar a história, o Vietnã invadiu o Camboja no final de 1978, destronando o Khmer Vermelho, estima-se em torno de 3 milhões de mortos(de uma população de 7 milhões!), Pol Pot morreu em 1998 e ainda fez muita desgraça antes disso. Esse post ficou meio carregado, mas  é preciso explicar um pouco sobre isso pra vocês entenderem a viagem pelo Camboja, e outros locais por onde vou passar futuramente.
Fiquei umas duas horas conversando com esse cara...comendo embrião de pato e outras coisas esquisitas, e tomando uma Angkor beer(cerveja local) com ele... já valeu a viagem até aqui.Esse tipo de experiência não temos lendo livros ou vendo pela televisão.  

2 comentários:

sandra disse...

Caracas, que experiencia....

Kahlyne disse...

Lindo sorriso mesmo! Tem açaí no camboja!?

égua leio, coitado do patinho....só você para degustar destas raridades culinárias.

"já pensou se eu cozinho com pinto(pato) dentro?! tadinhoooooooooooooooo