Kama Sutra


 Khajuraho - Índia, 18 de abril de 2011.


Segui de trem para Khajuraho. O sistema de trens da China deixa esse aqui no chinelo, tanto pela organização quanto pela qualidade  e velocidade dos trens, esses aqui são uma sucata perto dos chineses. O preço é correspondente à qualidade da malha ferroviária: uma viagem de 12 horas, na classe sleeper(cama simples) saiu por 8 reais, na segunda classe seria a metade ou menos. Para meu próximo destino vou na classe popular pagando 1 real (sim, 1 real) numa viagem de de 190 quilômetros que é feita em 7-8 horas, como disse, é quase de graça. Até pode sair de graça pois não tem ninguém para pedir o bilhete na entrada, tampouco conferem no caminho. Como sempre acontece reencontros, topei com o coreano que estava no mesmo dormitório que eu no templo em Lumbini no Nepal, na cabine bem ao lado.
Khajuraho abriga o conjunto de templos  conhecidos em todo o mundo, os templos com esculturas do Kama Sutra, umas esculturas de posições eróticas, construídos em torno de mil anos atrás. Outro  Patrimônio Mundial da UNESCO para a minha coleção. Na verdade o nome é diferente mas são conhecidos como templos Kama Sutra. Não se sabe ao certo o porquê da construção destes templos em Khajuraho que é uma vila pequena e sem importância na época, nem o motivo de exibirem tais figuras neles. Várias teorias tentam explicar, a mais convincente é que se trata de imagens tântricas. Segundo algumas teses, a satisfação dos instintos mais básicos é uma via para transcender as maldades do mundo e alcançar a iluminação. O bhoga(prazer físico) e o yoga (exercício mental) são igualmente considerados válidos para a conquista do nirvana.
Detalhe das esculturas do Kamasutra




Conjunto de templos em Khajuraho


Vivenciei ambientes familiares e hábitos cotidianos de habitantes locais em algumas das cidades onde passei, por ter me hospedado em pousadas admininstradas por  famílias ou ter visitado para tomar um chá, café ou um jantar como em Huahine na Polinésia  onde pude sentir o clima familiar e um pouco dos seus costumes, da mesma forma em Varanasi com uma família indiana, em Amed na ilha de Bali, em Ban Lung no Camboja e na vila de Dazhai na China.  Em outras ocasiões tive oportunidade de passar mais tempo acompanhando o dia-a-dia de um morador da cidade através do couchsurfing, como na Ilha de Páscoa, em Jakarta- Indonésia, em Saigon- Vietnã e em Chengdu – China . O clima que têm as pensões familiares é diferente, nos sentimos mais como convidados do que hóspedes. Em hotéis o tratamento é mais profissional, mais comercial.
 Khajuraho é bem pequena com 4 mil habitantes, bem tranquila, aquelas cidadezinhas que todos se conhecem e sentimos a harmonia entre moradores. Caminhando pela cidade, parei para conversar com um barbeiro que fazia seu trabalho na sombra de uma árvore na rua, numa pracinha em frente ao lago. Fui visitar os famosos templos ,  e depois no final da tarde, andando em outra parte da cidade por umas galerias de arte(comprei um quadro de uma pintura de Kamasutra belíssima) ele passou de moto com seus dois filhos pequenos e me convidou para  conhecer  sua casa. Fui com ele, conheci toda a sua família e me convidou para o jantar, aos domingos eles preparam um jantar especial e neste seria uma galinha de quintal.  Toda a família morava na mesma casa, irmão com a esposa e filhos, pais e avós. Acompanhei o preparo do jantar, galinha masala, uma galinha guisada com vários temperos moídos com uma pedra acompanhados com chapati ( tipo um pão árabe). Me tocou bastante a empatia que ele teve comigo, a simplicidade e a pureza que fui recebido por toda sua família. Passei um tempão me divertindo com os seus filhos e sobrinhos , apesar de não levar tanto jeito com crianças.

O jantar foi no chão como eles fazem de costume, eu, ele, o irmão e o avô, homens separados das mulheres e crianças, e de portas fechadas. Perguntei a ele se era assim normalmente em todas as refeições, ele disse que sim, homens separados, fazendo um gesto de “deixa elas para lá”. Percebi como elas são diminuídas e excluídas. Comi além do normal de tanto reporem minha tigela com a galinha em um caldo delicioso e apimentadíssimo. Quanto mais eu dizia que estava satisfeito(e realmente estava) mais aparecia chapati na e galinha minha bandeja e mais enchiam meu copo com um uísque local barato diluído em água. Me senti super à vontade e  bem mais feliz de estar participando daquele jantar com aquela família indiana, do que se estivesse em qualquer restaurante por melhor que fosse. Depois subimos para a laje, e me deram para provar um tabaco que eles todos usam. No post anterior mostrei uma foto de um rapaz nas ruas preparando umas folhas onde eles envolvem o tabaco e adicionam alguma coisa com cálcio de sabor bem forte. Não fumo, detesto cigarro, mas tive que provar o tabaco. Eles colocam aquilo na boca, que arde pelos aditivos que misturam ao tabaco e mantém na boca sem engolir acumulando saliva, depois cospem. Engraçado nas ruas, a maioria deles falando com a boca cheia, quase transbordando  de saliva, é muito comum ver essa cena por aqui. Provei um pouco daquele tabaco, fiquei até sem jeito de dizer não. E também estava curioso para provar o que quase todos os homens indianos vivem colocando na boca. Os seus avós, a esposa o irmão e o primo estavam conosco apreciando um céu bonito como em toda cidade de interior, com uma lua cheia enorme. A lua cheia insiste em me acompanhar em momentos especiais.
Até massagem na cabeça o meu amigo indiano me fez enquanto estávamos apreciando a lua. Aqui os barbeiros, vi isso em vários lugares, também oferecem massagem capilar para seus clientes, então ele sabia fazer bem a tal massagem. Com um óleo muito cheiroso, que até comprei depois uns sachês(caríssimos: 4 centavos de real cada) para sentir esse cheiro de novo um dia. O óleo tem um perfume bem típico da Índia, utilizado para o cabelo e para massagem corporal.
Depois de sentir uma pequena tontura por conta do tabaco, não recusei o convite de dormir por lá. De manhã cedo também tomamos o chai em família acompanhado de  um prato ,preparado com um grão que não sei o nome e amendoim, chamado poha (pronuncia-se porra (!!) ). No final, normalmente se não dissermos se a comida estava boa, eles perguntam o que achamos. – E aí, estava boa a porra? Me segurei pra não rir na cara dele... E disse que sim, tinha gostado daquela porra !!!!       
Na hora de ir embora, mesmo sem ter trocado uma palavra com o avô dele pela diferença de língua, ele me pegou no braço e me  pediu com os olhos que ficasse. Ações que não precisam ser verbalizadas.  Como fiquei sentido em partir daquele lar onde fui tão bem recebido. Mas hoje em dia depois de tantas despedidas e partidas meio forçadas pela necessidade de seguir pela estrada, já domino bem essas situações. Voltamos juntos à praça, para a sombra da árvore. Ele montou sua cadeira e arrumou sua bancada para começar mais um dia de trabalho naquele silêncio da beira do lago. Senti a tristeza no ar ao me despedir , a minha presença  em sua casa esses dias, senti que foi uma coisa diferente e um tanto especial para eles vendo o esforço dele em me mostrar algo de sua cultura. Eles são curiosos ao ver estrangeiros e têm vontade de interagir. Assim como os chineses, os indianos realmente pertencem a outra raça de seres humanos programados diferentemente de nós ocidentais. Comportamentos, conceitos e hábitos arraigados e tão inerentes ao seu povo, que os adjetivamos de exóticos.     
A avó(sentada no chão), a esposa (em pé na porta) e a filhinha de 3 anos

Moendo com a pedra a cebola, alho, tomate e as especiarias
para a galinha masala


O jantar

Para mim essa interação com diferentes povos é o que há de mais enriquecedor em uma viagem. Quando se viaja de férias, com os dias contados e agenda amarrada, ás vezes se deixa de ter esse contato de perto com os moradores, com a atenção voltada aos monumentos e pontos turísticos. Esse contato que tive com essa família certamente teve um significado mais forte do que a visita que fiz aos templos de Khajuraho. Ter visto bem de perto a relação entre os membros de uma família indiana  participado um pouco dos seus costumes  e outras situações como esta de mais proximidade com uma cultura, alimentam ainda mais meu gosto por viajar.           

2 comentários:

Kahlyne disse...

Que porra gostosa heim!? Ameeei o post, a melhor parte da viagem com certeza é poder vivenciar momentos como este jantar em família!

Tati disse...

Caramba, Rogerio! Sem palavras para comentar uma experiência como essa!