Conversa num café do Cairo



 Cairo, 13 de junho de 2011.

Esses dias, de bobeira andando pela ponte sobre o rio Nilo que passa pelo meio da cidade, conheci um camarada chamado Emed. Ele também tava de bobeira e então sentamos em um dos cafés próximos ao rio Nilo para tomar um chá e fumar uma shisha(ou narguilé). Esses cafés são bem tradicionais onde os homens se reúnem para beber café ou chá, fumar shisha e jogar gamão ou dominó. Perguntei um monte de coisa sobre os costumes árabes e como é que eles funcionam na prática.
Um assunto que me deixa bem curioso é o casamento. Assim como fiquei intrigado ao conversar com aquele camarada na Índia sobre a questão do casamento, aqui também fiquei da mesma forma.
A poligamia é cultural e legalmente aceita, permitindo cada homem se casar com até 4 mulheres, e claro ser obrigado a sustentar todas elas, já que as mulheres não têm a mesma participação no mercado de trabalho. Eles precisam  mostrar que têm condições de sustentar a mulher...quanto mais bens ele tiver, mais chances ele tem de ‘conquistar o coração’ da moça e a ‘confiança’ da família dela. E com o grande apoio da família, meio que forçadamente ...convence a moça que o cidadão é a pessoa certa para ela. Fato bem comum é o homem comprar a mulher. Ele faz a oferta, dizendo quanto de dinheiro ou bens(que a um tempo atrás era mais comum a oferta de camelos!) ele possui, e a moça é quase forçada a se casar com o sujeito...parece mentira mas isso existe. E como a maioria da população é pobre, uma grande parte dos homens permanecem solteiros até o fim da vida.
É expressamente proibido o sexo antes do casamento. As mulheres, antes do matrimônio passam por um exame de virgindade (muitas vezes feito pelo próprio marido) num procedimento bem rudimental. O homem introduz seus dedos nas genitais da mulher, e confirma que rompeu o hímen. Quando durante o teste ocorre de fato o sangramento, ele enxuga o sangue com um lenço e comemora aquilo, juntamente com a família e com os amigos. – Olhem! Viva! Ela realmente é virgem! Minha esposa é virgem, é pura! E os pais e irmãos comemoram a pureza da mulher dando continuidade na festa e no casamento. Caso contrário, se o exame der ‘negativo’, o caso é sério, eu diria seríssimo. Ocorre que a mulher neste caso, muitas vezes é morta, e com a ajuda da família! Casos como esse, soube que são fatos comuns no cotidiano no Egito.
O namoro é aceitável, porém com muitas restrições. Primeiro porque o sexo é proibido e morar junto sem ser casado também é. Demonstrações de afeto em público não se vê. Vi pouca coisa, até mais do que na Jordânia que também é um país árabe, alguns poucos casais que se dão as mãos em alguns momentos ou o rapaz acompanha a moça com a mão no ombro. Mas a separação entre homens e mulheres é bem evidente, elas não entram sozinhas nas casas de chá e têm vagões separados no metrô, em transportes públicos onde não há separação, elas evitam sentar próximas de um homem.
No que diz respeito à falta de liberdade da sexualidade, é muito curioso vermos isso em pleno século 21. Ser tolhido dos seus desejos, e tê-los substituídos à força por costumes da sociedade e da religião, é algo bem estranho para nossa concepção ocidental. Imaginem jovens que não são praticantes convictos do islão, que assistem filmes ocidentais completamente ‘pervertidos’, fazendo-lhes almejar uma vida de luxúria, mas são socialmente proibidos. Ter os impulsos naturais impedidos é uma eterna luta consigo mesmo. Aliás, pensando bem, acho até que eles se acostumam e nem devem sentir tanta falta do sexo oposto.
No Brasil mesmo com toda essa nossa liberdade, ainda temos algumas discussões desse tipo, os ativistas lutam para que o Estado se torne laico. Ainda topamos com alguns entraves por causa de leis baseadas em preceitos religiosos, como o casamento homossexual por exemplo, que tem sido muito discutido recentemente.
Apesar da pobreza, com o peso das crenças islâmicas eles são honestos. Tentam sim enrolar turistas com frequência, pedindo preços abusivos e diferenciados para estrangeiros, que é de se entender pois fazem isso para sua sobrevivência. Mas entre eles, o comércio é honesto. Vi isso em vários lances perambulando nas ruas da Jordânia e Egito, os países árabes que visitei até agora. Um fato que exemplificou bem isto foi um quando, depois que saí do café com o camarada egípcio aqui no Cairo, me dei conta que tinha pagado muito barato pelo chá e pela shisha(narguilé), já tinhamos andado um quarteirão inteiro e a diferença que faltou eu pagar era muito pouca, insignificante. Ele fez a conta e se tocou que faltou eu pagar 1 libra egípcia (algo como 30 centavos de real), eu disse pra deixar pra lá...ele disse que não, não era uma atitude boa, e tivemos que voltar lá e pagar as moedas que faltaram.
Criminalidade baixíssima, comparada com a nossa. Vivemos no Brasil numa guerra que também é famosa no mundo todo. A fama de insegurança no país do futebol assusta e afasta milhares de turistas a cada ano. Todo mundo se assusta quando digo que é comum assaltos à mão armada em plena luz do dia. Isso para asiáticos é um absurdo. Preciso repetir várias vezes para eles acreditarem. A minha mãe se preocupa com minha segurança aqui, eu digo que eu é que me preocupo com a segurança dela lá.
Toquei no assunto felicidade e sonho. Quanta diferença nesses conceitos! Claro que isso foi uma conversa com apenas um camarada, e não posso generalizar. Mas pelo tempo que estou no Oriente Médio, dá pra ter uma ideia de que esse pensamento seja comum entre os muçulmanos. Ele me disse que não tem sonhos, pois imaginar coisas impossíveis causam descontentamento. O que não ocorre se ele concentrar a sua felicidade em Alah ( o Deus único e onipotente dos muçulmanos). Para eles, viver uma vida estável, e em paz...vivendo um dia após o outro mantendo sua fidelidade e submissão a Alah, isto é o suficiente. ...Ele frisou bem a frase ‘um dia após o outro’ , que eu entendi como, se eles mantiverem uma rotina centrada na fé em Alah, é o suficiente para ter uma vida plena. Eles querem simplesmente ter uma morte digna para se encontrarem no céu com o seu Deus. Simplesmente isso.
Eu não aceitando bem esse conceito de total falta de ambição pessoal, algo desvinculado ao amor por um Deus e sim voltado ao amor próprio, algo para tornar o desfrute da vida de uma forma mais feliz ou com mais prazer... perguntei se ele ganhasse 1 milhão na loteria, o que faria. Nem essa pergunta ele foi capaz de responder com veemência. Uma alma completamente varrida de ambições que não incluam Deus.
Entrar na mentalidade de um egipcio, ouvir pontos de vista de um árabe, com a mente intricadamente dominada pelo poder do alcorão e da cultura árabe, é uma coisa que não se sente, ou melhor não se tem nem ideia, de quem vem ao Egito e passa poucos dias só para ver as pirâmides e os templos dos faraós. Ver grandes obras de uma civilização riquíssima, dona de uma mitologia mundialmente reconhecida é realmente fascinante. Mas essa civilização viveu aqui a milhares de anos atrás. Hoje, o Egito que sobreviveu, e que vive no ano de 2011 da Era Cristã é outro. Não existe nenhum resquício de crença politeísta como era no tempo dos faraós. Vemos por aqui em museus e inscrições antigas, culto a deuses como Ísis ou Osíris entre vários outros, mas tudo isso virou folclore, dando lugar ao islamismo.

2 comentários:

Anônimo disse...

No islam maomé até assassinou allah

Rogério Oliveira disse...

Anônimo, não vejo fundamento nessa história. No islam, Alah é tido como um deus superior a tudo e nem possui um forma humana, portanto nunca alguém poderia ter feito isso.