Colapso faraônico


Cairo, 14 de junho de 2011.

Dia 25 de janeiro foi uma data bem importante para o povo egípcio. Dia da revolução. Do manifesto que movimentou as ruas do Cairo na praça Tahrir, onde tenho passado  a maior parte do tempo nesses meus dias por aqui. O povo está revoltado por fazer parte de uma civilização tão antiga e mundialmente  famosa, tão importante e sábia, com destaques em vários ramos do conhecimento e hoje em dia, por causa dos péssimos governantes ditadores, o Egito tem uma sociedade que sofre com uma população que cresceu, e continua crescendo multiplicando cada vez mais a pobreza. Sofre por não ter uma vida digna. Agora depois de milênios de história, o povo egípcio que deveria estar em lugar de destaque , passa por um grande problema social.
Eles vivem em conflito com o governo pois não aceitam pacificamente que o povo viva  nestas condições. Eles clamam pela liberdade e pela vida. Liberdade de expressão, de pensamento ...e além de tudo querem respeito.
Então o assunto nas diversas rodas de discussão que se prolongam até altas horas da madrugada diariamente é esse. Grupos de homens chegam , estacionam o carro e vão para o meio da praça participar dessas conversas. São várias rodas de homens de pé tecendo longas discussões bastante gesticuladas e em sonoro tom de voz. Mesmo sem entender nada da língua árabe, percebi como eles defendem ferozmente suas posições. Normalmente tem dois caras dicutindo em voz alta no meio da roda enquanto vários outros os cercam ouvindo atentamente e de vez enquando entrando na conversa e expondo (ou contrapondo) sua ideia. Parecem operadores de bolsa de valores em plena praça.  As discussões são tão fervorosas quanto aquelas rodas de pessoas discutindo política em cidades do interior do Brasil em período eleitoral.
A confusão começa de noite e entra pela madrugada. Duas horas da manhã homens montando uma barraca de lanche, pregando tábuas e adesivos...sapateiros consertando sapatos à marteladas, bares cheios de gente discutindo em voz alta. Na praça, para servir o povo que junta,  aparece um monte de  vendedores ambulantes: chá, pipoca, brinquedos de criança, camisas com dizeres nacionalistas e bandeiras. Toda noite, principalmente  às sextas-feiras, a principal praça do centro do Cairo fica movimentada  com o mesmo ritmo daquelas pracinhas de balneário em época de férias.
Camelô na praça Tahrir- essas camisas não são para turistas,
e sim apoiando a revolução

Bandeiras, chapéus, pulseiras, adesivos...para serem usados
nas manifestações

Eu sei  que isso não ocorre só aqui. Apelos por melhoria principalmente na saúde, educação e emprego, esse tipo de manifestação é comum em  países onde a maior parte da população vive abaixo da linha da pobreza. A vizinha Líbia, aqui ao lado, ainda está atravessando um período bem difícil também.  Mas eu vendo daqui, sentado numa rua do Cairo, num local onde meses atrás foi manchete de noticiários do mundo inteiro, na praça onde foram mortas dezenas de pessoas durante esses conflitos, posso entender bem melhor. A principal causa de tudo, não é briga por facções religiosas, não são confrontos de extremistas insanos. E sim de um povo que sofre com a realidade, grita por socorro através das manifestações rebeldes, batendo de frente com um governo incapaz e autoritário que os reprime de forma violenta. Comparo isto com uma rebelião num presídio, de presos(que psicologicamente eles são) exigindo melhores condições de sobrevivência. Até para saírem do país, eles têm que provar que têm bastante dinheiro e não vão emigrar.
É este Egito que estou tendo contato. O que vive do outro lado da esfinge. Que está andando nas ruas do presente e que não é enterrado em tumbas de ouro como a dos faraós...e sim do Egito que não tem onde cair morto. Um país que não evoluiu junto com o resto do mundo que inclusive nasceu bem depois deles. Os governantes que foram sucedendo os faraós foram cada vez perdendo o controle da nação. E depois do domínio árabe, fica difícil de ver um futuro próspero.  O poderoso império egípcio sucumbiu às mazelas trazidas pela modernidade e crescimento do povo.
Eu não quero aqui denegrir a imagem do país, muito menos modificar a ideia de quem ainda não veio mas sonha em conhecer o Egito. Só estou retratando a realidade que vejo e que estou tendo conhecimento. As pirâmides são realmente impressionantes e mesmo depois de mais de 4 mil anos continuam impressionando muito. Mas quando saímos do portão, pegamos o ônibus de volta para as ruas, tudo volta ao normal e vemos o caos. Gosto de sentir bem a realidade, conversar com gente na rua, ver o povo, comer o que o povo come. Toda aquela imagem que temos do Egito está guardada dentro dos museus, as mulheres nas ruas não usam roupas de Cleópatra. O regime árabe/muçulmano faz com que mesmo nós , os turistas, não tenhamos tanta liberdade. Não me sinto confortável em usar bermuda, pois ninguém usa e não quero destoar para não dar tanta pinta de gringo e não ser atormentado por vendedores na rua. A bebida alcoólica também não é bem vista, então também evito. E todo esse  clima religioso... gente se ajoelhando em tapetes para rezar o tempo todo, mulheres todas cobertas, muitas só com os olhos de fora...tudo isso me faz ficar mais contido. E por tudo isso, todos esses contrastes e peculiaridades...eu tô adorando o Egito! Já entrou na minha lista de favoritos, junto com a Polinésia,  Tailândia, China, Índia... 
  

3 comentários:

Luiza Paes disse...

Rogério, eu sempre acompanho seus posts e já te disse que vc virou uma inspiração. Imagino que vc deve ter lidado com pessoas falando que era loucura e perigoso fazer esse tipo de viagem. Enfrento isso com minha mãe, que fala que certos paises [principalmente árabes e asiáticos] mulher viajando sozinha não é bem vista e corre maiores riscos. Gostaria de saber se vc encontrou muitas mochileiras viajando sozinhas e o que elas acham? se já sofreram algum preconceito ou algum tipo de risco... se elas tem algumas dicas? Ou, pra não te encher tanto, algum blog como o seu para que eu possa acompanhar... Desde já muuuito obrigada pela viagem em si, pelas fotos, relatos e informações. Boa viagem, Att Luiza Paes

Rogério Oliveira disse...

Luiza,
Sim muita gente acha loucura, pois não tem ideia do quanto é fácil viajar. Quando não se sabe de nada, é realmente loucura! Mas nós, mochileiros, somos "turistas profissionais" que sabemos muito bem como fazer uma viagem independente sem problema algum e gastando muito pouco.
Em relação a viajar sozinha, no sudeste asiático tem sim muitas meninas viajando sós, sem problema nenhum. A Ásia é muito mais segura que o Brasil, repito isso várias vezes. è mais perigoso viajar no Brasil sozinha do que na Ásia.

Rogério Oliveira disse...

Ah sim, nos países árabes, é um pouco diferente. Eu realmente vi bem menos meninas desacompanhadas. Mas se você tomar os mesmos cuidados que tomamos no Brasil, como andar sempre em locais movimentados, não andar em ruas escuras de noite e andar sempre com o corpo coberto, não vejo problema. Ninguém vai te atacar na rua, ou te vender por camelos!! muito menos te roubar. Fique tranquila, e fale para sua mãe ler o meu blog também...principalmente nos posts que falo sobre felicidade.