Emílio e Caetano

Saigon- Vietnã , 23 de dezembro de 2010.

Vim para Saigon, desci do busão montei minha bicicletinha e fui procurar o endereço do Tram,o camarada do Couchsurfing que iria me hospedar, apesar de os nomes das ruas serem  bem estrambólicos, minha facilidade com mapas me ajudou a localizar rápido meu novo endereço. Pra quem não leu o que falei sobre o Couchsurfing um tempo atrás eu vou lembrar: é uma comunidade na internet onde a pessoa oferece ou pede hospedagem na casa do outro com o objetivo não só de facilitar financeiramente para os viajantes como também para promover um intercâmbio cultural, é uma experiência muito boa, até agora tinha ficado na casa de amigos do CS na Ilha de Páscoa, em Jakarta, agora aqui em Ho Chi Minh. Além de mim, também está hospedado aqui o Kim, um coreano que tá viajando há 9 meses de bicicleta. Um dia fomos na feira comprar os ingredientes pro jantar, o Tram ficou responsável pelo frango vietnamita, o Kim pela salada coreana e eu fiquei com o arroz brasileiro, quando perguntei se ele tinha sal em casa, os dois se espantaram em coro: sal ??!! ...na Ásia eles só comem arroz insosso e sem nada(como acompanhamento). Foi um jantar bem diferente, comemos junto com uns americanos amigos do Tram. O cara é muito gente boa, ele sai todo dia pra beber, não aguentei o ritmo dele.

Kim, Tram e eu

Nosso jantar internacional

Saigon é o nome antigo da cidade mas por aqui vejo que este nome ainda é mais utilizado que Ho Chi Minh City como consta nos mapas atuais. É a segunda maior cidade do Vietnã. Um trânsito muito doido, muuuuuita moto, acho que num cruzamento grande em um minuto vemos coisa de duas mil motos cruzando...está sendo muita adrenalina andar de bicicleta aqui esses dias. Lembrei da minha mãe dizendo  pra eu ter cuidado ao andar de bicicleta nas ruas de Belém...que é um parque pra criancinhas comparando com isso aqui. Tô tendo cuidado viu mãe, eu espero as 200 motos passarem pra eu atravessar a rua! Aliás é curioso atravessar a rua nessas cidades onde o trânsito é uma cagada, principalmente porque na maioria das esquinas não tem sinal, e se tem não adianta muita coisa: simplesmente temos que andar no mesmo passo ao atravessar a rua, e as motos desviam de você, pode estar a maior confusão, é só ir andando.
 Andando por aqui, do jeito que sou muito ligado à música, não deu pra não lembrar da música Saigon interpretada por Emílio Santiago, fico cantando ela inconscientemente o tempo todo:
“Anoiteceu, olho pro céu e vejo como é bom
Ter as estrelas na escuridão,
Espero você voltar, pra Saigon”
Cheguei em ‘casa’ um dia e não tinha ninguém, aí atravessei a rua e fiquei tomando uma Bia Hoi( cerveja viatnamita...R$1,20 o litro !!) pra dar um tempo enquanto o pessoal chegava pra abrir a porta. Fiz amizade com um italiano com cara de japonês, filho de vietnamita que falava vietnamita legal e um coreano que mora aqui. Conversamos um tempão, falamos sobre comida e tal e eu disse que gostava de provar comidas diferentes, e quando eu tava indo embora o japa me disse que podia me mostrar um restaurante onde a especialidade era CACHORRO! Na hora! Pedi 3 tipos diferentes: um guisado, um assado tipo churrasquinho e outro tipo carne assada. Fizemos amizade com uns caras da mesa ao lado, que deram pra gente uma bebida tipo cachaça de arroz, gostosa também. Gostei da carne de cachorro, ruim era um molho que acompanhava que era muuuuito fedorento , podre! É um molho que eles tem aqui e vi no Laos também...é uma pasta marrom feito de peixe ou lula...A aparência lembra de carne de porco, mas o gosto é bem diferente.Tem gosto de...cachorro mesmo. Esse italiano foi gente fina demais.
Tomando uma Bia Hoi numa rua de Saigon

Esse é o camarada da mesa do lado,
que deu cachaça de arroz pra gente

Esse é o churrasquinho de Rex...com gergelim por cima, e o molho com cheiro de vala...

Totó assado!

Adoro cachorro como animal de estimação mas numa dessa não dá pra ficar imaginando o cachorrinho te lambendo e brincando, se não dá pena e a gente não consegue engolir nem um pedaço. Não adianta também querer dar uma de defensor dos animais e achar isso que eles fazem com os bichinhos  uma maldade, um absurdo... É uma coisa cultural, esse costume deve ter iniciado em tempos de escassez de comida, sei lá... eles comem cachorro como se fosse galinha, assim como sapo, porco... esse restaurante é frequentado só por locais, eu era o único estrangeiro lá.
Comer  coisas estranhas pra mim, tipo cachorro, escorpião, gafanhoto,larvas, sapo, lá no Peru experimentei o cuy que é um parente do rato.... é como se fosse um desafio, não um desafio pelo paladar em si, pra dar uma de macho...pra dizer eu consegui comer!! Não, mas pelo fato de quebrar conceitos. Vi nesse restaurante de cachorro por exemplo, todo mundo comendo e rindo lambendo os dedos, e tentei me colocar no lugar deles, desprogramar na minha cabeça a idea de que”cachorro é um animal dócil, fofinho, e não deve ser comido”  e reprogramar: vou ser que nem eles aqui e vou comer normalmente. Deu pra entender a diferença do desafio que falei agora pouco? Gosto de me testar pra ver como reajo diante das diversidades. É um desafio psicológico que temos constantemente não só aqui na Ásia em relação à comida,  mas na nossa vida de um modo geral, outros preconceitos imbutidos que temos, como em relação ao homossexualismo, o racismo, o tipo de roupa que os outros estão vestindo, fulano é assim ou assado... Tento quebrar isso frequentemente. Como diria o Caetano Veloso: Por que não?
Cada vez que aceitamos ou pelo menos tentamos aceitar as diferenças, damos um pequeno passo para nossa evolução, ampliamos nossa visão. Não é uma tarefa fácil pois esses nossos conceitos, nossos padrões que somos moldados desde criança, são enraizados demais na nossa personalidade. Vivemos pra isso: evoluir.